sábado, 13 de dezembro de 2008

Discutindo Psicologia

Opinar não depende de "embasamento científico". Antes de qualquer lógica, antes de saber o que é ciência e seus símbolos, existe uma experiência primeira de mundo, por exemplo, como a geografia é depende de uma experiência da floresta, praia, etc (Edmund Husserl, primeiros capitulos de Crise da ciência européia e Merleau-Ponty, prefácio de fenomenologia da percepção)

O que é interessante: Ciência, principalmente a psicologia como se configura atualmente, simplesmente não dá conta de lidar com a existência humana, pior, ela não está presente onde mais se precisa dela.

Ontem foi uma experiência nesse sentido, estava no trem, voltando de SP quando eu ouvi no banco de trás: "O sistema nervoso deve trabalhar legal". Eu achei engraçada essa frase (ainda que ela não tenha tido um significado direcionado ao que pensei), pois estamos muito além do sistema nervoso, jamais o sistema nervoso conseguirá explicar as multiplas possibilidades que eu posso experienciar, o que eu vivencio, a minha existência. Se quer algo que acontece de tal forma para uma pessoa se dá igualmente para uma outra (daí a crítica da ciência humana, não somos explicados, mas compreendidos, depende-se de percepção, da intenção do indivíduo, não há explicação causal).

Esse tipo de reflexão é complicado, eu costumava ler muito os psicólogos sociais cognitivos dos EUA, mas percebi o quanto a teoria deles é voltada para a cultura deles e que eu sempre era criticado por decorar as teorias dos livros e livros rigorosamente científicos e pragmáticos, estruturados. Lendo Bandura por exemplo, muitos "autos" precisam ser adaptados, não dá pra pegá-los diretamente e aplicar por aqui. Ou então Baumeister, "need to belong", relacionamento como fonte de felicidade e motivação fundamental.

Engraçado que nessas lidas, eu li um artigo/capítulo sobre cultura e o quanto havia de "downplay" no seu papel. Também comecei a pensar como era muito limitada uma visão que marcava os relacionamento próximos como uma necessidade e a alta probabilidade de desenvolvimento de psicopatologias, poxa, simplesmente eu não sou assim, conheço pessoas que não são assim. De que me adiantou essa ciência estruturadinha? A perceber a perspectiva do cientista e como Husserl tem sentido ao criticar a falta de fundamento da ciência factualista, fugindo desse entendimento e experiência de vida.

A referência deve vir quando há significado em trazê-la. Muitas reflexões que temos não são embasadas nos outros, mas em nós mesmos. Aqui entra um conflito: quais são os limites da replicabilidade em psicologia? Ainda assim, muito do "não-científico" percebemos como replicáveis. Ainda há muito o que se relatar "estruturadamente".

Isso também me faz pensar num filme da Halle Berry, Gothika, em que ela era uma psiquiatra com um bom emprego e relacionamento estável, etc, e num dado momento, ao dirigir voltando pra casa, ela "surta" com uma moça que aparece na rodovia. Após essa cena, ela encontra-se internada na própria instituição onde clinicava, acusada de assassinar o marido. Uma cena interessante pro tópico é com uma outra interna da instituição psiquiátrica, ex-paciente dela (Penélope Cruz), que começa a conversar falando mais ou menos assim: "Você está com medo? Qualquer coisa que você falar ninguém vai escutar. Agora você é louca."

Confiamos cegamente que o método resolverá nossos problemas, mas quantas vezes nos deparamos com situações em que só encontramos desespero e nos sentimos como incapazes? Não temos a pílula mágica, nem adianta tentar cobrir as pessoas de método ou então, pior ainda, trazê-las para o método, muitas vezes isso é ineficaz, ainda mais com toda a temporalidade e espacialidade que a pessoa tem, com o histórico dela. Eu percebo muito isso com os medicamentos, como que uma pessoa consegue pensar que o remédio será a solução? A densidade que existe nos conflitos que a pessoa tem, se são contornados, é com muito tempo, muito esforço próprio, do terapeuta, das pessoas próximas. Muitas vezes, pelo menos pelo que eu tenho vivido, a psicologia simplesmente não dá conta e eu encaro o conflito individualidade x sociedade um dos mais complexos que a psicologia tem para analisar e contribuir.

É preciso com certeza refletir sobre o uso da referência, não como dependência ou necessidade de embasamento, mas exatamente se ela é útil ou traz significado, ou seja o seu uso crítico. O melhor uso para mim é mostrar o quanto falta em uma teoria científica, que é, por fim, o método da ciência, isso não faz ela perder seu valor (como vi um cristão criticando num café filosófico) pelo contrário, a enriquece e aí sim ela tem significado de vida.


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