domingo, 14 de dezembro de 2008

A Psicologia dá conta?

Em setembro deste ano (2008), peguei um ônibus aqui de Santo André pra voltar pra casa. Depois de passar a catraca e procurar por um lugar para sentar, vi que havia um assento vazio no fundo do ônibus, o que era estranho pois havia algumas pessoas de pé por ali. Na época eu estava lendo bastante Bandura, agilizando uns slides. Conforme eu ia para o fundo do ônibus, deu pra ver que ao lado do assento vago tinha uma mulher que aparentemente falava em direção ao vidro (pra não dizer com o vidro rs). Pois bem, eu já pensei duas vezes antes de me sentar ao lado dela e comecei a reparar que algumas pessoas envolta a olhavam de forma estranha, como se tivessem visto um alienígena. Resolvi ficar de pé. A viagem era curta mesmo.

Ao parar nos outros pontos, algumas pessoas foram entrando no ônibus e numa dessas levas, uma jovem moça, aparentando uns 25 anos sentou-se no tal assento. A mulher que estava lá falando sozinha olhou para esta jovem moça assim que ela se sentou e começou a falar alto elogiando seu cabelo, seu corpo, perguntando o que ela passava e algumas coisas que eu não consegui entender, interessante também que ela olhava de forma profunda nos olhos da moça. A jovem começou a ficar preocupada e suas mãos começaram a tremer um pouco e seus gestos com uma bolsa que ela carregava ficaram mais duros e tensos. Ela permaneceu quieta, com alguns risos pequenos e menos de 1 minuto depois eu desci.

Esse é um tipo de situação estranha, com a qual não estamos acostumados, não faz (tanto) parte do nosso dia-a-dia. O que me deixou encucado: comecei a pensar uma forma de lidar metódicamente com a situação mas era difícil: a imprevisibilidade do comportamento da mulher falando sozinho era algo delicado de se lidar (o acaso é o terror dos racionalistas rs). Que auto-regulação ela tem? Auto-regulação na teoria de Bandura é ativada em ambiente social mas pode ser desativada em caso por exemplo de distorção da consequência do comportamento.

Engraçado que para Bandura, o objetivo último da terapia é o desenvolvimento da auto-regulação, seja por processo de julgamento, auto-observação, auto-reação ou auto-eficácia. MAS, por que a mulher não poderia estar falando sozinha? O que havia de doente nisso? Esse é um tipo de situação que eu não aprendi na faculdade. Com certeza poderia se hipotetizar e identificar ansiedade, QI baixo, uma limitação da flexibilidade da mulher principalmente na relação com o outro em espaço público. Mas quanto mais pensava na falta de "avaliação moral" da mulher, mais me afastava do que era falar sozinha para ela.
Hoje, eu percebo isso de forma mais densa, o comportamento dela está dentro de um contexto, com o histórico dela, com as relações que ela desenvolveu com ela mesma, com os outros, e acima de tudo, há a perspectiva de quem percebe. Os filósofos do século XIX confiavam cegamente que a razão resolveria seus problemas, seja técnicos ou existenciais. Hoje, estamos por outro lado, "o único sentido da vida é que ela não tem sentido".

Participei de uma palestra da Ana Bock e fica claro a crítica à psicologia que não abordou questões desse tipo, limitou-se ao pensamento elitista, de avaliação e separação, conformismo. No primeiro semestre de psicologia, ouço do professor de epistemologia numa aula sobre Nietzsche e pensamento trágico que "o psicólogo é o grande niilista das instituições". Ou então simplesmente tente andar por aí à noite, não há "liberdade de ir e vir", simplesmente há o medo controlando. Nietzsche diz que uma vida vivida com medo não tem sentido, mas estamos numa situação tão opressiva que estamos fazendo dessa limitação existencial um sentido, de tão complicada que é nossa situação. Isso porque não estamos em ditadura, bem longe dela, e temos até filósofos (Marcel Gauchet) discutindo a crise da democracia por causa do excesso de direitos humanos, individuais.

Essas questões mostram que a psicologia está bem longe ainda de onde precisa estar e já mudou muito pra direcionar a esse caminho, que deve ser, fundamentalmente, de utilidade. Não tem nexo as pessoas não saberem o que a psicologia, é de abismar um TV Diversidades que sai às ruas no centro de SP perguntar o que é psicologia.

Um comentário:

Jorge Cristiano disse...

Olá.. achei muito interessante seu texto.
Espero encontrar em breve novos e interessantes, assim como este.

Um grande abraço.

Cristiano
Psicosaber.wordpress.com