sábado, 6 de dezembro de 2008

O que é o outro?

Existência é liberdade. Nada nos determina. Por mais que se pense em sociedade, causas biológicas, psíquicas ou sociais, o ser humano é enquanto se realiza, enquanto escolhe. Ele é um conjunto de realizações. Eu não sou um receptor de neurotransmissor no meu cérebro, antes mesmo de saber que no meu olho possuo estruturas que captam a intensidade de luz, os cones, e a qualidade das cores, os bastonetes, eu vejo, eu percebo a cor, ela me traz significado. Não são meus neurotransmissores que decidem se hoje vou sair de blusa ou de sunga, é na minha relação com o mundo que decido, que escolho, tenho liberdade para ir de sunga onde quiser, tanto a responsabilidade pela escolha como a responsabilidade pela consequência são totalmente minhas.

Nossa condição original é o estar só, é a solidão e se mantém assim pela vida inteira. É EU quem faz ser para mim. Ninguém vive pelo outro, a experiência é individual, única. Isso não quer dizer que ela não possamos partilhar vivências, não quer dizer que ela não possa se assemelhar e encontrar coerência, como quando sentimos o que outro sente, ou tentamos compreender empaticamente o que é, o que pode ser isso que o outro expressa. Ainda que não tenhamos capacidade de fazer o outro rir ou que nossa tentativa não se concretize, há a possibilidade de fazê-lo rir.

Não podemos determinar alguém. Ninguém nasce casado. Ninguém nasce com uma namorada pré-determinada. Isso só acontece na relação com o mundo e tem-se a escolha de ter a namorada ou não tê-la. Mas, é vital a noção de que se pode ter ou não ter um relacionamento adulto de vínculo forte, a escolha cabe ao indivíduo, por mais que se queira delimitar o relacionamento, pareando com estatísticas de que sem relacionamento próximo há grande probabilidade de desenvolver psicopatologia, ainda assim, é a escolha do indivíduo, tanto para a escolha pela solitude como para o desenvolvimento da patologia, como sentir-se só, abandonado, desconsiderado. Encarar o outro como falta é, como Heidegger trabalha, um ser-com deficiente, mas, fica a pergunta, falta do quê? O que é esse outro que determina as patologias para a psicologia social cognitiva e a motivação de necessidade de pertencer? O que é esse outro que como Merleau-Ponty mostra em Fenomenologia da Percepção, é transformado em objeto para minha consciência e um objeto para a consciência do outro, atachado a nós antes da objetivação científica? Em que, se Sartre mostra-o como mal, enquanto me restringe, e como bem, enquanto me possibilita? Ou como Buber afirma, só há o Eu na relação com o Tu? Esse outro é o que, afinal? Um campo de possibilidades? Sim. Ironizar eternamente para uma maiêutica nos renderia um perguntar infinito, mais denso e sem direção, em que se aglomeram várias perguntas e se depositam esperanças sobrespostas. O outro é possibilidade, ele me permite fazer, ele me permite ser, mas ele não é Eu, eu não sou ele, ele me permite partilha, ele me permite troca, mas ele não me delimita, ele me permite conhecer o que eu desconheço em mim mesmo, mas ele não me determinará enquanto existência, minha essência é definida posteriormente, por mais que eu me sinta bem com a síntese do relacionamento e haverá síntese por mais tênue e humilde que seja, ele não será o estabelecimento em mim como abertura ao mundo, ele é, exatamente, o produto dessa abertura, ao me projetar ao mundo. Como delineia Merleau-Ponty, percepção não é um ato deliberado ou uma ciência de mundo. Nem eu escolho perceber, nem eu escolho a precisão do meu perceber, regulando um botão no meu cérebro. O outro é a minha conseqüência, o meu possibilitador no mundo, mas não é meu determinante, nem minha necessidade, nem meu fundamento ou razão de existir. Eu existo independentemente do outro e estarei condenado eternamente a existir, ainda que o outro não me esteja preenchendo com um não sei o que de possibilidade, ou podendo me olhar com um anel no dedo e o sentindo-o no meu mundo privado.

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