segunda-feira, 7 de setembro de 2009

"tranformam-no ao que lhes bem agrade."

Hoje, ao voltar de São Paulo, eu experienciei um desses momentos que as pessoas chamam de "mágico". Pra variar, fugaz, repentino, lacônico.

Uma vez, numa situação oportuna, a professora doutora Maria Tereza Nappi, junguiana, disse-me que percebeu um conceito de Jung chamado "sincronia" acontecer comigo. Basicamente, ela descreveu como numa mesma noite e horário, sem que houvesse um motivo claro, uma palestra sobre neuropsicologia e a minha palestra sobre Bandura, com assuntos um tanto relacionados, aconteceram uma após a outra, num mesmo local, sem que isso tivesse sido combinado, e ainda mais pela conhecidência de ocorrem tão proximamente para que fosse suficiente uma saber da outra.

Pois bem, ao ler o comentário da colega graduanda de Psicologia, Luciana Moutinho, sobre a ação humana manipuladora, eu pensei "por que não ampliar esse conceito para a ação humana manipuladora em massa, a instituição?" O momento mágico que eu introduzi na primeira fase do post se encaixa perfeitamente aqui.

Enquanto estava olhando as construções na Bernadino de Campos, perto da Paulista, próximo de parar em função do vermelho no faról, eu avistei um mendigo começando a atravessar a rua. Ele não atravessou na faixa, bem antes. O suficiente para ter de diminuir a velocidade do carro antes do normal. Daí que, pra mim, nesses momentos de contemplação, há as grandes oportunidades de trazer à tona uma grande reflexão. O mendigo...acho que eles se cadastram e recebem uma carteirinha para conseguir serem tão distintos. Esse mendigo que eu vi e me fez reduzir antes do normal não era normal. Andar sinistro, cabisbaixo, lento, com passos duros e cambaleantes, cabelo (bem) grande (para cima), carregava uma lata de tinta média e azul sem tinta com alguns utensílios indicerníveis dentro, um saco de batata cheio sem batata, beje com um fio branco e longo saindo pelo fundo do saco, um cobertor preto com listras brancas dobrado, vestindo uma roupa simples, jeans sujo com uma camiseta preta. A única coisa que veio espontaneamente no pensamento: "ele tá carregando a casa nas costas". Esse é livre, ele não tem uma casa pra ir, ele é um andarilho, vagando de cantos em cantos, jogado na natureza de pedra, não precisando de carro pra se locomover, nem de chave para abrir o que lhe pertence. Daí os "biases" cognitivos começaram a interferir no pensamento:

O índio é totalmente independente. Ele planta e faz sua própria comida, sua própria casa, tem a sua própria forma de se divertir, de se ritualizar e contemplar. Mas, e já direcionando para o objetivo do tópico, como pode o mendigo que partilha desse mesmo tipo de liberdade do índio estar numa condição totalmente diferente de saúde e vida? Por quê? A instituição.

Estamos mais dependentes do que nunca no meio social urbano. Parece até que continuamos como quando nascemos, com a cabeça maior que nosso corpo e não conseguindo nos equilibrar, precisando da papinha dos outros para sobreviver. Essa é a mesma condição do mendigo. Totalmente instituicionalizado, olhando para ele sinto como se visse um castelo de areia, esperando um vento para se desfazer.

O mendigo está como dependente, e no fundo, todos nós estamos como ele. Dependentes mais ou menos de salário e do que construímos, explorando ou não os outros, e ainda conseguimos dizer que somos "independentes", seja financeiramente ou amorosamente. Não, não somos. Nós nos desenvolvemos de forma dependente, de tudo o que nos cerca, estabelecendo ainda, ideológicamente, essas condições como necessárias, faltantes. Vamos sendo moldados, um explorando um pouco do outro e cada um se equillibrando com seus pedaços.

O que é irônico, pois nascemos só, e morreremos só. Essa é condição ontológica humana, Heidegger a descreve bem. Nosso estado de natureza é a simplicidade. Mas conseguimos à medida que crescemos, não apenas perder esse estado de natureza para um estado de dependência, como conseguimos a proeza de abandonar o que nós tivemos por bom na infância, por sonhos, por desejos e curiosidades. Diz-se até que isso é "infantil" para o adulto. Quer dizer, crescemos para deixar os sonhos para trás, para manter uma condição limitada, centrada, estressada, medrosa, preocupada. Eu pensava que crescer fosse exatamente fazer esses sonhos se tornarem realidade...

Sobre a instituição, utilizamos seus dispositivos para definir os outros, pior, para avaliar o humano. Isso não se limita ao relacionamento como abordei nos posts anteriores, mas a tudo que o indivíduo desenvolve em sociedade. Isso é basicamente a avaliação pelas posses. Imagine o quanto é necessário de ideologia para transformar a experiência numa posse. É a única forma de fazer com que a pessoa se limite e desconheça suas potencialidades.

Um comentário:

luciana*yoga disse...

Marcelo ,
Fico lisonjeada com a sitação , rsrs
A vida é realmente intrigante não é? , quantas pessoas passam pelo mesmo mendigo e apenas veêm a sujeira instalada em seu corpo , ou a maquinaria arcaica à qual ele toma como ´´casa`` como vc disse , quantas pessoas mal podem olha-lo por identificar-se no fundo de suas almas ao vazio ontológico que é a existencia humana? Ele vive este vazio , para nossa surpresa ainda que seja um vazio institucional e não um vazio significativo , posto que só ele mesmo pode dizer-nos o sentido de tal vivência , se já nos aparece como algo implícito , ou melhor caso não nos surpreenda é realmente sinal de que mal podemos o olhar...